Ilana Peliciari Rocha e Marcelo de Souza Silva

 A HISTÓRIA REGIONAL EM UM CONTEXTO ESCOLAR DE MIGRAÇÃO ESTUDANTIL: ESTUDO DE CASO DO PIBID-HISTÓRIA/UFTM

 

Ilana Peliciari Rocha

Marcelo de Souza Silva

 

Introdução

 

 A apresentação e análise neste texto se refere a um projeto desenvolvido no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto de História, na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), edital 2018-2020, o qual foi coordenado pelos autores deste texto. O projeto identificado como “História Regional” ocorreu em uma das escolas parceiras do programa, a Escola Estadual Dr. José Mendonça, situada no município de Uberaba/MG. As atividades do projeto foram realizadas em turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental durante o primeiro semestre de 2019. Como fonte para essa análise utilizamos o Relatório das Atividades desenvolvidas na referida escola.

 

A nível nacional, o edital do qual fez parte o subprojeto de História do PIBID que ocorreu entre 2018 e 2020 foi fruto de longas pressões dos agentes educacionais, seja no ensino superior quanto no ensino básico, para a manutenção do programa. Nesta edição, pela primeira vez, os discentes dos cursos de formação de professores foram divididos entre o PIBID e a Residência Pedagógica. Na UFTM tivemos os dois programas, tendo ficado o PIBID com os alunos que estavam então matriculados entre o primeiro e o quarto períodos (dos oito previstos para a conclusão). No programa Residência Pedagógica, figuraram os demais alunos e as horas realizadas no programa foram validadas como Estágio Supervisionado.

 

Neste contexto, no início de 2019, após um semestre de atividades do edital, foi realizado um evento Multidisciplinar com a proposta de interlocução de diversas áreas do programa na Universidade. Após o evento, um dos encaminhamentos foi a elaboração de um projeto de integração dentro dessa perspectiva. Outra proposta da coordenação de área foi a realização de um diagnóstico do público atendido. Desses dois focos surgiu o projeto “História Regional”.

 

Os (as) bolsistas de Iniciação à Docência elaboraram um diagnóstico que procurava traçar o perfil da comunidade escolar para estruturarem um projeto que dialogasse com a realidade encontrada naquele contexto. A pesquisa demonstrou que, no ano de 2019, as turmas que participavam do programa PIBID eram compostas por mais de 60% de alunos (as) que não eram naturais de Uberaba-MG. Munidos desses dados e das observações do cotidiano das turmas, os bolsistas participantes identificaram a necessidade de um trabalho específico que abordasse a riqueza cultural presente naquele espaço escolar.

 

Desde o início das atividades na escola foram ressaltados os obstáculos relacionados à rotatividade do corpo estudantil devido às migrações sazonais, tais como, evasão escolar e dificuldades de estabelecerem um vínculo com a comunidade escolar, além dos preconceitos por parte dos(as) próprios(as) estudantes. Ou seja, essa característica carregava muitos aspectos negativos. No entanto, para além desses aspectos, comportava também uma outra dimensão, que era configurar uma realidade marcada por diferentes identidades, perspectiva muito cara à área de ensino de História. Assim, trabalhar com a História Regional partindo da consciência histórica foi promissor para a compreensão da diversidade regional e de sua historicidade. Além disso, promoveu outros sentidos ao aspecto migratório presente na comunidade escolar.  

 

Desenvolvimento do projeto

 

A historiografia sobre o ensino de História reconheceu a importância do trabalho com a História local e regional. No entanto, também ressaltou que, na prática, existem diversos obstáculos para sua abordagem. Erinaldo Cavalcanti (2018), por exemplo, identifica e analisa cinco desafios relacionado à História local:

- História local como “história pequena”,

- História local como “história do entorno”;

- História local como conjunto coeso e diminuto de relações, passível de estudada em sua “totalidade”;

- História local determinada pelo espaço geográfico

-  História local como uma extensão e um desdobramento da história “não local” (nacional?).

 

Ao refletir sobre esses desafios o autor coloca:

 

“O professor pode deslocar o ângulo de percepção movido pelo fundamento básico da Ciência Histórica ao compreender que as experiências são singulares no tempo e no espaço. Que a construção histórica dos acontecimentos da rua, do bairro ou da cidade não está determinada pelas forças externas de uma história supostamente nacional ou global. Pode potencializar a interpretação mostrando que os homens e mulheres que habitam os espaços onde as histórias são construídas são sujeitos que atuam e interferem na construção e nos desdobramentos das experiências. Que fazem escolhas, constroem redes de sociabilidades, criam sindicatos, associações de bairro, que têm poder e tencionam as relações, interferindo no processo de construção das histórias” (CAVALCANTI, 2018, p. 288).

 

O autor avança para a ideia de compreender a “dimensão local da História”, o que ele coloca como “configuração local da história”. De certa forma, o projeto incorporou essa ideia, identificou a história local em diálogo com outras localidades, percebendo similaridades e contrastes. 

 

Para o desenvolvimento do projeto a supervisora responsável dividiu a equipe de pibidianos (as) para cada turma do Ensino Fundamental.

 

O projeto retratou as diversas regiões do Brasil, mas destacou o município em que se localiza a escola e o Estado de Alagoas, de onde vieram muitos (as) dos (as) estudantes. Antes do trabalho específico de cada região, os (as) bolsistas apresentaram o projeto e identificaram os conceitos de História e História Regional. A equipe de pibidianos (as) utilizaram diversas estratégias metodológicas, visto que observaram as especificidades de cada turma ao longo das observações. Entre as estratégias destacamos as rodas de conversa, que foram espaços de emersão de sujeitos históricos que carregam suas consciências históricas. Conforme Relatório das Atividades desenvolvidas:

 

“A aula em questão teve como objetivo apresentar o conceito de história, fazer com que os alunos entendam a importância de seu estudo e consequentemente se sintam responsáveis pela construção das suas histórias pessoais e consequentemente colaborando para o desenvolvimento da história geral, enquanto estudantes, trabalhadores, homens e mulheres. O intuito geral foi fazer com que além da consciência pessoal a respeito o tema, os alunos dialogassem e partilhassem sobre as suas histórias com a turma” (Relatório das Atividades do PIBID-UFTM, subprojeto de História).

 

A aproximação ocorreu por meio da elaboração de linha do tempo da História de cada um e na socialização perceberam a presença das mudanças de cidade entre a maioria.

 

O Relatório registrou: “De forma positiva foi possível perceber uma participação efetiva de todos, havendo muitos relatos que emocionaram os amigos dos discentes. Nesse diálogo os bolsistas também participaram expondo as suas linhas do tempo criando dessa forma uma aproximação com todos os alunos” (Relatório das Atividades do PIBID-UFTM, subprojeto de História).

 

Criando o ambiente de acolhida e pertencimento ao grupo os (as) pibidianos (as) prosseguiram com as atividades. A postura seguiu a ideia de Fonseca:

 

“assumir uma postura dialética que lhe permita captar e representar com seus alunos o movimento sócio-histórico e temporal das sociedades, as contradições, as especificidades, as particularidades, sem perder de vista a totalidade. A formação da consciência histórica pressupõe a compreensão do ‘eu’ no ‘mundo’, do ‘uni-verso’, unidade na diversidade, como dinâmica, movimento, transformação, história!” (FONSECA, 2003, p. 161).

 

A primeira região retratada foi a Nordeste e, em especial, o Estado de Alagoas. Iniciaram com a aula “Falando sobre Alagoas”. Nesse momento os estudantes refletiram sobre a importância da temática e os anseios sociais existentes na referida escola.

 

Depois desse momento continuaram o desenvolvimento do tema com a utilização do laboratório de informática. A proposta foi que realizassem uma pesquisa sobre alguns tópicos (“Indígenas Caetés”, “Quilombo dos Palmares” e “Coronel Teotônio Villela”). Nesse momento atentaram-se para os cuidados com a pesquisa em sites confiáveis e o constante questionamento das fontes. Depois da execução da pesquisa os (as) estudantes voltaram para sua sala de aula para uma dinâmica com um jogo de tabuleiro de percurso, com “casinhas” de perguntas baseadas nas pesquisas desenvolvidas no laboratório de informática.

 

Outra equipe de bolsistas utilizou um vídeo que destacava diversos aspectos sobre Alagoas, explanou e contextualizou a História Regional de Alagoas e, para finalizar, aplicaram uma atividade em grupos, que consistia na montagem de um material sobre Alagoas para comporem o mural da escola e demonstrarem à comunidade escolar as belezas e riquezas de Alagoas.

 

A região Sudeste, na qual está inserida a escola, o projeto privilegiou a História de Uberaba. Foram utilizadas fontes históricas, fotos antigas da cidade e cartas psicografadas do médium Chico Xavier. As turmas foram divididas em grupo de quatro alunos (as) e com o apoio dos (as) pidianos (as) analisaram algumas fontes históricas. Além disso, também utilizaram música e poesia de artistas da cidade. No entanto, a estratégica mais frutífera foi a visita guiada ao Memorial Chico Xavier. O Memorial encontra-se próximo à escola e os (as) estudantes foram a pé até o estabelecimento. Muitos (as) não sabiam da existência do museu mesmo morando na proximidade. Infelizmente, isso demonstra que a comunidade fica à margem desses locais, o que acontece é a não apropriação desses espaços culturais. Na colocação de um grupo de bolsistas:

 

“A visita ao Memorial Chico Xavier foi o ápice dos quatro encontros, todos os alunos presentes se mostraram realmente interessados, fizeram diversas questões, puderam estar em contato direto com parte da história de Uberaba, além de ter sido oportunidade para aguçar seu senso de cidadania” (Relatório das Atividades do PIBID-UFTM, subprojeto de História).

 

As atividades prosseguiram com a Região Norte, região da qual uma parte de estudantes eram provenientes. Nesse tópico, a estratégia foi a utilização de músicas que reforçavam as regiões Norte e Nordeste. A análise possibilitou aos (às) alunos (as) do Ensino Fundamental identificarem a ênfase dada ao eixo Rio-São Paulo e refletirem no papel do norte-nordeste para o desenvolvimento do país. Aqui foram utilizadas as músicas “Norte Vive – Carta Sete Rap” e “Nordeste me Veste – O Rappa e Rapadura”, além do poema de Jerson Brito, escritor nordestino, denominado “Região Norte”. Também elaboraram um “Cordel” sobre a Região Norte e desenvolveram pesquisa sobre o folclore e tradições culturais brasileiras, com destaque ao festival folclórico de Parintins.

 

Prosseguiram com o trabalho sobre a História das regiões Sul e Centro-oeste. Com relação à região Sul, trabalharam a Revolução Farroupilha e o papel da imigração para a área, além do folclore regional através de aulas expositivas e dialogadas e atividades de caça-palavras. No caso do Centro-Oeste, o foco foi o estudo da cidade de Brasília por uma dinâmica do antes e depois através de fotografias e elaboração de mapas mentais.

 

A dimensão de História local aqui se enquadra na possibilidade, apontada por Cavalcanti para o trabalho com a História local, no qual o professor:

 

“Pode pontuar as diferenças e semelhanças construídas no tempo e percebidas, por exemplo, nas mudanças arquitetônicas das casas, das ruas, das sinalizações em vias públicas, na construção de rotas de transportes públicos, na construção de escolas, hospitais e universidades” (CAVALCANTI, 2018, p. 288).

 

Considerações finais

 

O objetivo foi apresentar e analisar um projeto específico desenvolvido em uma escola participante do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto de História, na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). O projeto com o título “História Regional” foi desenvolvido no primeiro semestre de 2019 e possibilitou refletir a abordagem em um contexto marcado pela constante rotatividade de alunos (as) migrantes.

 

Ressalta-se aqui a diminuição das verbas para o Programa dificultando o desenvolvimento dessas visitas técnicas. A única visita com grupo de estudantes da Educação Básica foi a que apresentamos acima. As demais visitas foram realizadas apenas com os (as) bolsistas e em nível local. No geral, desempenharam papel importante para a perspectiva teórica e prática em formação de professores-historiadores para o Ensino de História local. As visitas realizadas foram: Arquivo Público de Uberaba, Museu do Zebu e Museu de Arte Sacra. No final do edital do programa, os (as) bolsistas desenvolveram folders de vários espaços culturais da cidade.

 

A observação do cotidiano escolar e o diagnóstico da realidade estudantil promoveu a escolha do tema. O seu desenvolvimento foi marcado pelo trabalho com a perspectiva de que somos sujeitos ativos da História e, para isso, foi essencial o trabalho com a consciência histórica de cada estudante. O reconhecimento do papel de cada um para a formação sócio-histórica encaminhou para criação de novas relações na comunidade escolar. Para os bolsistas do PIBID, ficou evidenciado que a participação no projeto promoveu a possibilidade de aplicação de metodologias ativas de promoção do aprendizado, trabalhando na prática com os elementos importantes para a formação docente.

 

Referências biográficas

 

Dra. Ilana Peliciari Rocha, docente do curso de História da UFTM.

Dr. Marcelo de Souza Silva, docente do curso de História da UFTM

 

Referências bibliográficas

 

BITTENCOURT, C. M. F. Cotidiano e história local. BITTENCOURT, C. M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 2ª ed. São Paulo: Cortez, p. 164-173, 2008.

 

CAVALCANTI, Erinaldo. História e história local: desafios, limites e possibilidades. Revista História Hoje, v. 7, nº. 13, p. 272-292, 2018 (Disponível em: https://rhhj.anpuh.org/RHHJ/article/view/393/271 - Acesso em: 27/03/2021).

 

FONSECA, S. G. O estudo da História local e a construção de identidades. In. FONSECA, S. G. Didática e Prática de Ensino: experiências, reflexões e aprendizados. Campinas: Papirus, pp. 153-162, 2003.

 

MARTINS, Marcos Lobato. História Regional. In. PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Novos temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2015.    

 

Relatório das Atividades do PIBID-UFTM, subprojeto de História, 2018-2020.

4 comentários:

  1. Olá Autores! Temos uma grande falta de materiais e conteúdo de História Regional, apesar dos recentes problemas do Pibid e diminuição de verbas, penso que o programa em História poderia contribuir enormemente para a produção de pesquisas e conteúdos regionais! Concordam? Salvo melhor juízo não vejo nenhuma organização ou política institucional ou de produção bibliográfica nesse sentido! Abcs!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, Everton Crema!
      Concordo com você que ainda são poucas as produções relacionadas à História Regional; acredito que isso é fruto de uma perspectiva de considerá-la como uma "história menor" que infelizmente ainda é recorrente. Fortalecer esse campo da História é essencial no ensino de História e projetos como o Pibid podem elaborar materiais didáticos diversos para alavancar as práticas em sala de aula, visto ser restrito esse tipo de material para professores.
      Continuamos na luta pela manutenção do Pibid, programa que tem papel imprescindível na formação docente no país.
      Grata pelo comentário.

      Excluir
    2. Obrigado pela resposta! Abcs!

      Excluir
  2. Olá, Everton! Obrigado pela interação com o nosso artigo. A História regional é um campo que sofreu com o preconceito da academia por muito tempo, tema menor, próprio dos "memorialistas" das cidades. Apesar de o desenvolvimento dos programas de pós-graduação no país terem alterado um pouco esta situação, é forçoso reconhecer que não temos nem de longe uma produção que supra a demanda por pesquisas que possam subsidiar a produção de materiais didáticos sobre conteúdos regionais. O PIBID tem um potencial enorme de transformar esta situação e nosso artigo vem no sentido de mostrar em alguma medida as possibilidades de ação neste sentido. É um programa muito bom, que vinha crescendo em importância e se tornando cada vez mais apto para a realização desta tarefa, muito importante do ponto de vista da formação docente, claro, mas também para promover a melhor interação entre universidade e as escolas.

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.