Jéssica Mayara Santos Sampaio

 NOVAS FERRAMENTAS PARA A HISTÓRIA: A MODA COMO INSTRUMENTO DE ENSINO


Jéssica Mayara Santos Sampaio

 

A moda possibilita a leitura de mudanças no tecido social desde os tempos mais antigos. A partir do século XX, com as transformações radicais do espaço urbano, essas mudanças são sentidas, especialmente, no comportamento de homens e mulheres. Com a mudança do vestuário, ela se tornou parte integrante de uma composição social, visto que é possível compreender como se relacionar com os diversos âmbitos da vida em sociedade, desde a cultura, mudanças sociais, até os padrões de beleza e comportamento.

 

Os temas, moda e transformações sociais, permeiam aspectos que compõem a historiografia como: cultura, identidade, memória, representações; o que nos leva a enfatizar à importância do tema e à quantidade de informações que fogem à problematização, devido às reduzidas pesquisas feitas sobre o tema.

 

De modo geral, as temáticas apresentadas nos livros didáticos são voltadas para a história através da política, economia e poucas vezes apresentam imagens ou textos direcionados para hábitos, comportamentos e vestimentas, principalmente em contexto local. Por isso, é importante observar que a memória presente no processo histórico, também permite a análise de distinções, hierarquizações, papéis sociais de homens e mulheres e comportamentos.

 

As vestimentas, ornamentos, comportamentos têm valor no jogo das aparências. O campo da moda é cercado por objetos de significação e valor. Logo, a satisfação em seus recursos é necessária para o âmbito pessoal, pelo uso de um objeto que marca o indivíduo com condições econômicas, status, identidade e também pelo viés do grupo social em que está inserido, aumentando o valor e o motivo do consumo de determinados itens para que sua presença seja notada em espaço público através da diferenciação dos demais.

 

Além disso, pode-se voltar o olhar também para a importância das memórias e identidades dos menos privilegiados.  Outro aspecto relevante, refere-se às perturbações da memória, que segundo Malerba (2011), são provocadas pelo esquecimento, pelo conflito e interesses de manipulação, que fazem parte do que se chama de “exercício do poder”, que pode ser tanto individual como coletivo, mas que demonstra a preocupação com as distorções dos acontecimentos, que leva à produção do esquecimento, através dos mais diversos fatores.

 

As representações auxiliam no estabelecimento e manutenção de classes, de modo que a história oficial mostra uma face dos acontecimentos, apresentando apenas a visão de grupo, que se vale dos vestígios a seu favor. Individualidade, expressão e visibilidade são algumas das formas que representam um dos traços da relação entre indivíduo e sociedade, mas que também apresentam mudanças urbanas, sociais e aspectos do cotidiano.

 

A memória coletiva envolve a memória individual, mas não se confunde com ela, aponta Halbwachs (1990). É interessante perceber como o acesso a lembrança também possui pontos de referências de acordo com os fatos históricos. Esses pontos de referência também são fixados, mas não pela sociedade, já que não é natural, e sim por grupos sociais, pois prevalece a memória de determinados grupos, embora existam experiências compartilhadas entre a mesma classe e classes com diferentes condições sociais e econômicas.

 

História, memória e identidades estão interligadas. A memória coletiva mostra que não existe relação entre o que foi vivido e o fixado, mas sim a construção estabelecida por grupos dominantes. Logo, é um processo de seleção, onde as molduras são colocadas para determinar o enquadramento, e a reconstrução do passado é feita de acordo com a referência desejada, pois os acontecimentos têm significados singulares.

 

Partindo dessa perspectiva podemos relacionar a memória e a identidade como fatores essenciais para entender as singularidades das relações sociais e as expressões de individualidade e aparência, associados à organização da sociedade. Por esse motivo, a relevância em elucidar dentro do estudo sobre o tema, os elementos da moda e modos nas representações sociais e de gênero, dando ênfase aos atributos físicos e comportamentais de homens e mulheres, e observar, especialmente, a preocupação com a perda da feminilidade e a inversão de valores. Portanto, torna-se fundamental fazer o levantamento da produção historiográfica local, que considera as especificidades do espaço que se voltam para análise e experiências de determinado período; porém deve-se direcionar a ligação com as comparações entre outras regiões em âmbito nacional.

 

Os conceitos para se tornarem comuns no diálogo cotidiano, foram usados até parecerem ser naturais, afirma Elias (2011). Por isso se faz importante a reconstrução da memória, pois é através dela que se alcança a concretização de um significado, de uma palavra, que é inserida em um contexto através de interesses e relações sociais. A História Social da moda e dos costumes refere-se às transformações culturais, econômicas, sociais, ao modo como esses aspectos se articulam com as mudanças e as condições de padrões estético, de comportamento e morais.

 

Na coluna encontrada no jornal “Diário de São Luíz”, que circulava na cidade de São Luís – Maranhão, no período de 1921, é possível observar como a moda está atrelada às mudanças significativas da sociedade, quando diz que “a distinção já não é da graça, e sim da ação, da energia”; fazendo referência à ocupação feminina na vida social e à preparação para emancipação pessoal, profissional.

 

Vale ressaltar também, as relações entre as transformações políticas, econômicas e suas representações com o cotidiano e os comportamentos sociais, visto que no período de 1930 a 1950, por exemplo, ocorreram alterações estruturais que influenciaram o comportamento e a mudança na indumentária de homens e mulheres.

 

Portanto, os discursos presentes nos documentos utilizados mostram a organização social presente na sociedade, os espaços de pertencimento de homens e mulheres, e além disso, a existência de um discurso que pretendia moldar os corpos nos espaços públicos e privados.

 

O estudo sobre moda é uma das variedades do campo da História, marcado por mudanças de hábitos, progresso, padrões sociais e estéticos. Portanto, é através da análise de rupturas e permanências no tecido social podemos perceber a importância da interpretação dos fatos e a construção de reflexões sobre temas variados. Inclui-se ainda, a relevância das características regionais para contribuir para o desenvolvimento do indivíduo através da maior exploração da estrutura do tempo histórico.

 

Desse modo, Certeau (1982), aponta que os métodos e pesquisas se organizam de acordo com o interesse do pesquisador. Métodos e documentos aplicados que possibilitam dar visibilidade a pontos da história que foram considerados invisíveis. Nesse sentido, cabe ao historiador apresentar o processo de (re)construção da história, na tentativa de mostrar conflitos entre grupos sociais, argumentos de permanências, mudanças, ou seja, os cuidados com os acontecimentos apontados nas fontes,  apresentando os fatos, bem como  orientar o leitor para questionamentos sobre manipulação, construção, tendência para algum campo social ou aspecto econômico, na tentativa de construir a observação através da leitura crítica do que é apresentado nos documentos, entre outros pontos que envolvem a construção da pesquisa histórica.

 

Assim, há uma preocupação voltada para a análise dos discursos presentes na documentação: jornais, revistas e obra literária, devido à existência de um discurso normatizador, que tinha a função de afirmar na aparência e nos papéis sociais, as definições de gênero dessa sociedade, da mesma maneira que marcava as distinções e hierarquizações de classe. Para além desse ponto, a moda desenvolve uma ampliação à retomada da individualidade, por isso “se tornou um meio de expressão e visibilidade”, como afirma Lipovetsky (2009).

 

Os jornais anunciavam as mudanças de hábitos e vestimentas, falavam sobre higiene e moralidade, sendo importante fonte de estudos para perceber as alterações do cotidiano, por meio de elementos que associavam a educação do corpo, moda, classes sociais. Sobre documentos e pesquisa, o essencial é enxergar que os documentos e os testemunhos só falam quando sabemos interrogá-los. Marc Bloch (2001), diz que a partir de “objetivos precisamente estabelecidos, todo o levantamento de fontes indica uma direção a seguir”, para dar profundidade à pesquisa.

 

A memória pode ser fortificada ou enfraquecida, de acordo com o interesse de quem a reafirma e/ou oculta informações. Por isso, com a análise de jornais, observa-se que os temas e notícias veiculados, não eram destinados à todas as classes sociais. Ofereciam objetos, vestimentas e até festas, em que só era permitido participar pessoas que possuíam educação, requinte e condições financeiras para que tivessem livre passagem por diversos setores sociais.

 

O trabalho com as fontes direciona para a extração de informações. Inicialmente, os documentos eram apresentados para o peso das realizações de âmbito nacional, mostrando como as classes dominantes exercem poder não só diretamente, mas principalmente porque as ideias que transitam entre as classes menos favorecidas, são naturalizadas. Por esse motivo, ter dúvidas sobre os documentos, seus objetivos e suas intencionalidades, levando em consideração como esses dados podem ser falhos e apresentar informações diferentes, de modo que o trabalho do historiador seja construído em torno de novas hipóteses e questionamentos.

 

Diante disso, é válido levar em consideração o documento, assim como dar importância à investigação do historiador, dado que é a partir desse raciocínio que o documento se transforma em fonte. Os documentos “não falam por si”, mas quando abordados através de uma infinidade de questões do historiador, dinamizam-se as visões sobre ele.

 

Podemos observar a forma como a história oferece ferramentas para o pesquisador, desde os campos de abrangência como mulheres, cotidiano, economia, política, homens, saúde, mas principalmente pelo olhar do historiador sobre a forma que deseja utilizar sua pesquisa, seu interesse particular é o que move a interrogação sobre a fonte.

 

Por se tratar de construções de reflexões sobre o passado, estudos sobre Moda, não são recorrentes no ensino de História, apesar do consumo e aspectos de beleza serem direcionados diariamente à todos os públicos. A relevância está na quantidade de informações que se pode levar ao cotidiano escolar e que seja de linguagem acessível, com a intenção de enriquecer o debate em sala de aula. Por esse motivo, é uma escrita que requer maior precisão por se tratar de um tema que traz maior leveza para o ensino, pela facilidade com que pode ser trabalhado e pela presença no cotidiano, mas que possibilite ao aluno o acesso às informações mais complexas, sobre conceitos e acontecimentos e novos caminhos que podem ser traçados a partir deste tema.

 

É significante a contribuição documental para o ensino de história. Os jornais e revistas são instrumentos que trazem imagens, descrições sobre o cenário urbano, trechos sobre vida cotidiana, por isso a relevância em levar ao aluno documentos que sejam capazes de possibilitar a visualização dos elementos da moda e do comportamento, que remetem à história local, mostrando as informações que representavam a luta de espaços entre as classes sociais, a mudança da indumentária, as tradições, entre outros aspectos.

 

Os jornais relacionados à pesquisa são de origem local, no entanto, por não encontrar revistas femininas que fossem produzidas em São Luís, faz-se essencial realizar uma ligação entre ferramentas para explicar tanto o âmbito local quanto o nacional e estabelecer conexões entre as datas e regiões, inclusive para demostrar as especificidades no contexto do ensino de história e moda, que tornam importante a exploração do tema em sala de aula.

 

Por se tratar a imprensa como espaço de disputas, o contexto nacional é relevante dentro da investigação historiográfica local, por apresentar a comparação de acontecimentos e questões no mesmo período, em diferentes regiões do Brasil e por vezes, de outros países. Os discursos e práticas sociais indicam que a moda permite o entendimento das relações em diversos âmbitos da sociedade, seja político, social, econômico, além de se tornar um elo entre o consumo, cotidiano, aparência e sociedade

 

Os valores morais, as transformações, a exibição do corpo, são aspectos que alimentam a investigação, visto que cada informação foi produzida dentro de um contexto coletivo, mas também por discursos e relações pessoais. Portanto, busca-se entender as ramificações que a história social construiu dentro das relações pessoais, entre grupos e os meios de distanciamento entre classes, a partir dos marcos da memória, das características e interesses das identidades e a moda como expressão de beleza e representação.

 

O mesmo tema pode ter inúmeras hipóteses e objetivos, por isso a importância da leitura dos documentos para identificar a localização do que o pesquisador está buscando. Nesse sentido, fazer uma abordagem referente à história da cidade de São Luís, a partir de um viés que não é tradicional, se torna de certa maneira, uma inovação que envolve um discurso que não aparece com frequência nos livros didáticos e em materiais de apoio ao professor em sala de aula, mas que tem um grau de atualidade e direciona o aluno à reflexão e orienta suas ações na vida prática e social, que é o objetivo do ensino da história.

 

Levando em consideração o cotidiano escolar e a disciplina, o aluno é ensinado a ler as relações sociais, culturais, econômicas, já que a história como disciplina influencia na formação do cidadão, à medida que o torna crítico e reflexivo. Por isso, Magalhães (2009) elucida que “o ensino de história leva à percepção de processos, sejam sociais, de grupo” pois é uma forma de incentivar o aluno a ser consciente sobre sua função social, e “o seu olhar sobre a disciplina deve ser como um verdadeiro explorador do tempo”.

 

Para Miranda (2007), o âmbito escolar se dá entre a perspectiva da interação e do diálogo, portanto cabe ao professor transmitir informações, conceitos, para que o aluno tenha a capacidade de construir o conhecimento que vem dessa reflexão sobre o cotidiano, que está vinculada ao conteúdo presente em sala de aula, assumindo reflexões que passam pelo campo da história e envolvem uma tentativa de ler e compreender o mundo em que vive.

 

A aproximação com a história permite o estreitamento com a educação e a cultura. O estudo sobre moda associado ao campo da História, envolve hábitos, comportamentos e construção de padrões. Portanto, é através do estudo do histórico que podemos perceber a importância da interpretação dos fatos e a construção de reflexões sobre temas variados.

 

O incentivo à valorização da história de regiões singulares, como a cidade de São Luís, que mantém preservado o cenário, através de ruas, igrejas, monumentos e casarões, impulsiona a imaginação do leitor para reconstruir os personagens e a sociedade, de modo social e urbano. Por isso, o trabalho do professor em sala de aula requer cuidados, de modo que é importante organizar os conteúdos e utilizar ferramentas que dinamizem a transmissão de informações sobre determinado assunto, para que exista interação e interesse dos alunos.

 

Por utilizar instrumentos que contribuem com a formação escolar, o historiador tem a função dar uma nova perspectiva as questões e acontecimentos do passado para aproveitar o conhecimento prévio do aluno e fazer pensar sobre processos de séculos passados, que podem ser entendidos de forma mais atual, através do consumo de aparelhos eletrônicos e roupas, espaços de socialização e as estratégias utilizadas por ele para caminhar e se inserir no meio social referente ao seu cotidiano, sua condição econômica. Além disso, a discussão sobre a desigualdade social, a importância dos estudos e da reflexão sobre o cotidiano, explicando a realidade através de evidências que já se faziam presentes nos jornais em outro período da História: as representações sobre o modo de viver e de se comportar.

 

A abordagem da moda como novo tema para o ensino de História é pertinente na medida em que existe a possibilidade de criar hipóteses para entender as transformações sociais e urbanas, culturais, de hábitos e consumo, por evidenciar diversas dinâmicas dentro de cada contexto, evidenciando a moda como um componente da dinamização da sociedade, influenciando padrões, memórias e identidades, presentes no passado e nos dias de hoje, é a apresentação do significado social da moda dentro dos desdobramentos categóricos e conceituais da História para refletir sobre o cotidiano, grupos sociais, regras e normas naturalizadas.

 

Referências biográficas

 

Jéssica Mayara Santos Sampaio, estudante do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIST) da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

 

Referências bibliográficas

 

BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, o Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001

CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In.: A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982

 

ELIAS, Norbert. O processo civilizador, volume1: uma história dos costumes. 2ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

HALBWACHS, Maurice. Memória coletiva e memória histórica. In.: A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das letras, 2009.

 

MAGALHAES, Marcelo de Souza. História e cidadania: por que ensinar história hoje? In.:Ensino de História: conceitos, temáticas e cidadania. Org: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2009.

 

MALERBA, Jurandir. Ensaios, teoria e ciências sociais. Londrina: Eduel, 2011, p. 41.

 

MIRANDA, Sonia Regina. Um território em múltiplas fronteiras: o saber histórico escolar como objeto de pesquisa. In.: SILVA, Gilvan Ventura da, et all. História e Educação: territórios em convergência. Vitória: GM, 2007.

3 comentários:

  1. Olá Jéssica! Discussão importante! Pergunto, como podemos trabalhar a moda e o patrimônio junto a maioria de nossos alunos de baixo poder aquisitivo, pouco contato com os espaços oficiais, de forma a construir uma reflexão e identidade própria? Uma provocação! ABCS

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    1. Jéssica Mayara S. Sampaio16 de setembro de 2022 às 09:59

      Olá, Everton! Obrigada pela contribuição! É um grande desafio! Partindo de questionamentos voltados para enriquecer essa lacuna na educação básica, uma das alternativas é o trabalho com o desenvolvimento de um produto educacional direcionado para os alunos. Nesse sentido, as discussões sobre moda apresentam muitas ramificações além das vestimentas, como a construção da identidade, o trabalho com a documentação de bibliotecas e arquivos, as formas e princípios de consumo, relações de gênero e até as conquistas femininas no âmbito político. O estímulo ao trabalho com a história local, também se torna uma via válida, por aproximar os alunos da cultura, do contexto social e principalmente, pela importância dos debates sobre a desnaturalização das limitações sobre a temática proposta.

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  2. Obrigado pelo seu texto!!! Bacana ! Abcs!

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