João Octavio França Teixeira

 A CURIOSIDADE EPISTEMOLOGICA NO ENSINO DE HISTÓRIA

 

João Octavio França Teixeira

 

Nesse texto pretendo trazer breves reflexões sobre o ensino e aprendizagem dos conteúdos de história na escola em linhas gerais. Para realizar essa breve reflexão o resumo será divido em três partes, a primeira parte será onde irei apresentar em linhas gerais como se configura a questão do tempo, ou seja, a hora aula para o desenvolvimento dos conteúdos de história em sala junto aos estudantes na educação brasileira dos anos finais do ensino fundamental. Na segunda parte esboçar formas do fazer do ensino de história de maneira crítica. E na terceira parte, estabelecer a relação entre curiosidade epistemológica e o ensino de história.

 

Como ponto de partida, os anos finais do ensino fundamental de acordo com a resolução da SEDUC de 2021 possuem 7 aulas semanais de 45 minutos cada, sendo que são disponibilizados para ensino de história dois tempos de 45 minutos por semana, o que dá em média 1 hora e 30 minutos de aula. Dito isso, pensemos desses 45 minutos não aproveitados em sua totalidade, já pode ser considerado um grande desafio não realizar mais do mesmo com pouco tempo que se possui, mas vamos aqui tentar fazer o melhor possível dentro tempo que temos, pois, como dizia Paulo Freire educar é um ato de amor.

 

Nesse sentido, as relações que se constituem nesse espaço é a construção do conhecimento entre educador e educando. Que primeira passa em conhecer a si mesmo, ou seja, através de um processo no qual o professor faz mediação dos saberes adquiridos ao logo de sua formação e vivência, e a realidade que o cerca. Com isso, o educador tem como objetivo estabelecer com seus educandos o processo de construção do saber, simultâneo a formação de uma consciência da realidade que os permeia, o que permite sair de um processo de educação passiva para um processo ativo, no qual os seres participantes são todos agentes da construção do saber. Assim é possível assumir-se como um ser social histórico.

 

“Uma das tarefas mais importantes da prática educativo crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos como professor ou professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos” (FREIRE,1996, p.18).

 

No ambiente escolar, vale ressaltar que o ato de construir o conhecimento é uma ação compartilhada tanto com os educandos como com outros professores, sendo a tarefa essa de tornar os estudantes em ser social histórico uma responsabilidade plural que não cabe apenas aos professores de história, mas a todos os educadores. Por isso, que para haver a curiosidade epistemológica é obrigatório que o ensino não seja bancário, ou seja, um ambiente que apenas despeja os conteúdos em caixinhas e no dia seguinte volta com mais ensinamentos, não serve. É preciso de certa formar ousar mesmo que possa existir dificuldades, no que tange a questão tempo de hora aula, e fazer um espaço onde os educandos são reconhecidos como seres humanos que pensam e pensam de forma crítica. Os reconhecer como sujeitos ativos do processo é um passo importante para conseguir construir o conhecimento de forma crítica, em especial os conteúdos de história que são de vital importância na formação da consciência histórica.

 

Entretanto, o cenário da educação no Brasil nunca foi fácil, a questão do ensino crítico de história principalmente o que perpassa o ensino crítico dos conteúdos de história, se faz muito necessária. Por isso, sempre muito importante quando em sala aula no processo de construção do conhecimento tentar mostrar um link com o presente a partir dos conteúdos ensinados, mas é preciso atenção nesse momento, para não ser anacrônico ou fazer um paralelo forçado.

 

Com isso, podemos pensar em três conceitos na pedagogia de Paulo Freire que podem ser relacionados curiosidade epistemológica, rigorosidade teórica e pensar certo. Assim, a base que permeia os três é o questionamento, ou seja, só é possível ter um ensino que permita a autonomia a curiosidade, quando ele reflete sobre sua conformação seus contextos culturais, sociais e econômicos.

 

Saber questionar a ordem estabelecida em que está se desenvolvendo a construção do conhecimento é fundamental, pois é de onde se poderá avaliar o que fazer a partir da realidade em que o educador e seus educandos estão enquadrados. Talvez um exemplo concreto disso seja a ausência de bibliotecas em algumas escolas, o que nos revela em primeiro pensamento talvez, como um sintoma do ensino bancário, que força toda interação com conhecimento como algo apenas de caráter obrigatório com um recorte e objetivo específico de aprovação em testes, provas e vestibulares.

 

“No exercício crítico de minha resistência ao poder manhoso da ideologia hegemônica, vou gerando certas qualidades que vão virando sabedoria indispensável à minha prática docente” (FREIRE, 2000a, p. 151).

 

Com isso, então como fazer um ensino de história critico o caminho para esse fazer encontra-se na simplicidade da docência e na humildade da mesma, não é preciso de fato uma estrutura de tecnologia de ponta, entretanto, não podemos abrir mão de lutar por melhores condições, mas temos o essencial o educador e os educandos o grande primeiro passo, é a preparação do espaço, ou seja, o educador e educandos saberem quem eles são, as primeiras aulas precisam ser assim para poder ter uma interação de respeito entre todos.

 

“Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de 30 anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos [...]” (FREIRE, 1996; p.30).

 

Isso é parte importante, saber que outro possui história e que se está inserido nela, a partir disso, não é apenas fazer aulas expositivas, mas buscar fazer cada aula ser uma experiência coletiva e não apenas um monologo de 45 minutos.

 

Para isso, a curiosidade epistemológica é a chave para desenvolver o conhecimento dos conteúdos de história, mostra que aprender história é questionar a ordem estabelecida é um grande atrativo, e de certa forma apresentar como esse conhecimento e muito mais útil do que apenas ser depositados em testes em provas, mostrar que as avalições são apenas mecanismos de verificação de ensino aprendizagem.

 

“Não é a curiosidade espontânea que viabiliza a tomada de distância epistemológica. Essa tarefa cabe a curiosidade epistemológica – superando a curiosidade ingênua, ela se faz mais metodicamente rigorosa. Essa rigorosidade metódica é que faz passagem do conhecimento do senso comum para o do conhecimento científico. Não é o conhecimento científico que é rigoroso. A rigorosidade se acha no método de aproximação do objeto. A rigorosidade nos possibilita maior ou menor exatidão no conhecimento produzido ou no achado de nossa busca epistemológica” (FREIRE, 2003, p.78).

 

Essa rigorosidade, pode ser entendida como o comprometimento do pensar certo de que permite romper as barreiras do senso comum, que permite a aproximação com o conhecimento científico, é papel do educador ser a ponte de processo com seus educandos, estimulando cada vez mais a curiosidade epistemológica deles, ou seja, a vontade de aprender cada vez mais, se entendendo como um ser incompleto.

 

A educação para que os apontamentos aqui abordados façam sentido, precisa ser compreendida como uma práxis social, ou seja, unindo a reflexão a ação transformadora e a ação de decidir. Assim os professores necessitam compreender que estão em posição de eternos aprendizes, nesse sentido, reconhecendo que precisa sempre estar atualizados dos debates que os cercam. De fato, uma tarefa árdua, porém necessária.

 

Buscar a prática educativa progressista e se distanciar cada vez mais da prática conservadora, tendo cada novo conhecimento como algo que impulsiona a ampliar as visões de mundo, e faço a ressalva para o ensino de história que aliado a pedagogia freiriana tem um enorme potencial de transformação.  Para isso, a pesquisa é ponto crucial para o educador em história, mas a pesquisa como instrumento de questionamento para derrubar tabus da sociedade.

 

“Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador em um professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba se assuma, porque professor, como pesquisador” (FREIRE,1996, p.29).

 

Com isso, tendo percebido que é para além de uma mera característica a questão do ser pesquisador, o educador precisa estar atento ao comprometimento do rigor científico no modo de operar a curiosidade epistemológica do desenvolvimento das dinâmicas de ensino aprendizagem em sala de aula. Para isso, a formação de professores de história e não apenas dessa área, necessita ter a rigorosidade metódica. Ter que a História é ciência e ou um estudo cientificamente dirigido é um dos pontos para permitir o desenvolvimento de ações em aulas junto aos educandos que permitam aguçar a curiosidade.

 

“Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (FREIRE, 2000, p. 32).

 

É visível que o fazer da curiosidade epistemológica não é simples, mas é o caminho para termos uma educação que ofereça autonomia aos indivíduos, que se sintam parte da história e a vontade para posicionar-se e pauta o dia a dia seja onde for. Construir a educação progressista, é um passo para a ruptura com ordem estabelecida de educação, que nos limita reduzindo nosso tempo de aula e empilhando de conteúdos os estudantes. A missão do educador não é simples, mas temos um caminho cantado por Paulo Freire, talvez não há como aplicar em sua totalidade a pedagogia dele, mas um pouco diferente que um educador faz na sala de aula a cada semana, muda a dinâmica que os educandos possuem com o espaço escolar, mas também  com os espaços que cercam a escola, não apenas no sentido geográfico, mas espaços de convivência e vivencia como a própria família, e a transformação que um espaço educativo baseado nas premissas freirianas podem proporcionar a essas famílias, quando se pensa em mudar a relação do estudante com o espaço escolar também se insere sua família e a relação que a mesma possui com a escola.

 

Além disso, dos estudantes e suas respectivas famílias, os colegas de trabalho também são aliados importantes no processo de transformação da educação, quanto mais coeso estiver com os colegas melhor de desenvolver a pedagogia freiriana no espaço escolar. Entretanto se não houver esse facilitador, será mais uma dificuldade para lidar além das outras existentes, cada escola possui seu PPP (Projeto Político Pedagógico), ter conhecimento deste documento é um ponto importante para saber onde o educador está atuando, qual linha filosófica a escola busca desenvolver e que concepções de educação. Isso, é bom para cobrar durante os conselhos de classe a alteração ou a aplicação, isso varia de contexto para contexto.

 

“[...] quanto mais me assumo como estou sendo e percebo as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica” (FREIRE, p.39,1996).

 

Por fim, é necessário a disposição de mudar, para que todos os aspectos aqui pontuados possam ter condições de serem exercidos, para isso é necessário que o professor de história tenha como premissa desde sua formação a questão da curiosidade epistemológica. 

 

Referências biográficas

 

João Octavio França Teixeira, estudante do mestrado acadêmico em História da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).

 

Referências bibliográficas

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000(a).

 

FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 2000(b).

 

FREIRE, PauloÁ Sombra desta Mangueira, 5ª edição. São Paulo: Olho d’Água, 2003.

 

Um comentário:

  1. Olá João acho que a ideia de nos utilizarmos da curiosidade de nossos alunos como ponto de partida, como uma 'instigação' previa em comparação ao conhecimento prévio poderia substituir toda uma discussão sobre os fundamentos da historia, sendo ensinada em termos mais práticos e próximas aos interesses dos alunos! Acredito que uma discussão mais conceitual sobre o tema dentro do ensino da historia muito bem seria recebida! parabéns!

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