Luciano Araujo Monteiro

 A ARQUITETURA E O CURRÍCULO COMO COMPONENTES DA CULTURA ESCOLAR DE UM COLÉGIO MARISTA

 

Luciano Araujo Monteiro

 

Introdução

 

Este texto visa relacionar o currículo e a arquitetura de um colégio católico como componentes da cultura escolar, baseando-me na análise da bibliografia discutida em sala de aula, na disciplina Estágio Supervisionado I, no curso de graduação em História, utilizando como base teórica os estudos de Tomaz Tadeu da Silva, Antonio Viñao Frago, Circe Bittencourt e Agustín Escolano e informações obtidas em conversas com docentes e alunos de História. Esta reflexão surgiu a partir da análise de um Colégio, pertencente à Congregação dos Maristas, em 2011. Ademais, são utilizadas reflexões do pedagogo e filósofo Paulo Freire, por este repensar a prática docente, conforme apontado em (grifos do autor): “reinsisto em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas” (FREIRE, 2002, p. 9). Isto é, a prática docente não deve ser desenvolvida de forma a fazer com que o discente decore um determinado saber, mas sim, deve ser desenvolvida de forma dialógica, em que tanto o educador quanto o educando desenvolvam junto o conhecimento no ambiente escolar.

 

A arquitetura escolar como mecanismo de controle

 

Escolano apresenta a importância da escola como símbolo urbanístico (ESCOLANO, 1998), tanto que este autor se baseou na ideologia de monumentalidade do ambiente escolar, proposto por Torres Balbás, sendo que, este expôs o caráter modernizador do edifício escolar na Espanha rural (ESCOLANO, 1998), isto é, cria-se a associação entre a forma e a função do prédio que, além de educar, também deveria inculcar a ideia de progresso nos futuros adultos, conforme ilustra o trecho a seguir: “O prestígio da escola dependerá, pois, de como essa esteja instalada, de seu tamanho, limpeza e orientação. Esse modelo influirá, depois, na casa que a criança buscará no futuro, para melhorar as condições de vida de seus pais.” - (ESCOLANO, 1998, p. 37)

 

A estrutura escolar permite pensar na observação feita por Escolano, por este mencionar que a arquitetura escolar transmite valores, como os de ordem, disciplina e vigilância (ESCOLANO, 1998), lembrando que, nos dias atuais, há nas dependências do colégio câmeras de monitoramento para cumprir essas finalidades, existentes no prédio novo (inaugurado em 2000), tanto nos corredores, quanto nas salas de aula, onde os alunos do terceiro ano do ensino médio realizam seus estudos. Já o prédio antigo, onde estudam os alunos do fundamental, do primeiro e segundo ano do ensino médio, teve sua inauguração em 1934.

 

Ainda na questão da arquitetura escolar, foi possível observar a existência de amplos corredores que facilitam a movimentação, entretanto, no acesso às escadas existem portões para restringir o acesso dos discentes no período de intervalo. Assim, os alunos que estão no pátio central ficam impedidos de circular pelos corredores do segundo e terceiro andar, com o fim de não interferirem no andamento das aulas nesses lugares. O acesso não é restrito ao primeiro andar, pois naquele espaço estão localizadas a diretoria e a coordenação pedagógica.

 

Sem esquecer de que, no pátio desse mesmo ambiente de ensino há um presépio, reforçando os valores católicos que a instituição propaga. Ou seja, a arquitetura e os objetos que compõem o ambiente escolar são formas silenciosas de ensino (ESCOLANO, 1998).

 

Nas salas de aula do colégio Marista é comum encontrar um relógio, o que remete ao pensamento de disciplinar pelo tempo, estipulando o horário de entrada, saída, recreio, etc. Uma prática originária da Revolução Industrial, sendo que, o aproveitamento do tempo cronológico passa a ser considerado uma virtude na atividade laboral, enquanto o inverso é visto como sinônimo de preguiça (ESCOLANO, 1998).

 

A importância do currículo e sua subversão no cotidiano escolar

 

As teorias educacionais mostram como as coisas devem ou deveriam ser. Baseando-se nas ideias de Bobbitt, modelo que surgiu nos EUA, no início do século XX, o currículo se tornou um processo industrial e administrativo (SILVA, 1999). Segundo este intelectual, o currículo é supostamente isso: “[...] a especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente mensurados” (SILVA, 1999, p. 12).   

 

Ao levarmos em consideração que a elaboração de um currículo implica em escolha, surge a seguinte pergunta:

 

__ Qual o conhecimento que deve ser considerado válido para fazer parte do currículo? - (SILVA, 1999).

 

Com a finalidade de responder à pergunta anterior, devemos ter em mente que, no currículo há a relação de poder. Conforme nos apresentou Tomaz Tadeu da Silva, escolher um conhecimento e não outro é uma forma de relação de poder (SILVA, 1999). E isto torna-se notório se pensarmos nos grupos sociais minoritários ou silenciados pela historiografia oficial.

 

As teorias do currículo surgiram para justificar o porquê de tais escolhas terem sido aceitas ou recusadas. Isto é, todas as teorias educacionais também são teorias sobre o currículo (SILVA, 1999). Além disso, essas teorias estruturam a forma de enxergar a realidade, direcionada ao ambiente escolar (SILVA, 1999). Essas teorias dividem-se em:

 

·  Teorias Tradicionais: que pregam o desinteresse na escolha do conteúdo, aceitam a ideologia dominante e se preocupam com a forma de transmissão do saber;

 

·    Teorias Críticas e Pós Críticas: mostram o contrário do que era pregado nas teorias tradicionais, pois, segundo essas vertentes de classificação, nas teorias do currículo sempre há relação de poder (SILVA,1999) levando em consideração a intencionalidade pela escolha de alguns conhecimentos e não outros.

 

O currículo escolar visa também preparar um modelo de pessoa ideal ou na qual o aluno ou aluna deve se tornar (SILVA, 1999). Com base nisso, deve-se preparar os jovens para o mercado de trabalho, para a democracia, para se incorporar à sociedade ou para mudá-la? - (SILVA, 1999)

 

De acordo com a abordagem de Silva, o currículo é inspirado na bagagem cultural de uma elite. Assim, as crianças de famílias mais abastadas entendem esse código social, mas as pertencentes às classes menos favorecidas não. Conforme o pensamento de Passeron e Bourdieu, o entendimento desse código faz com que os filhos da elite sejam bem sucedidos, enquanto os jovens das classes dominadas não se desenvolvam (SILVA, 1999).

 

Ao ter acesso aos conteúdos apresentados nos currículos referentes ao ensino médio, tornou-se perceptível que há forte influência na preparação dos jovens para o vestibular, lembrando que, no terceiro ano do ensino médio é realizada uma revisão, utilizando-se como fonte um material didático apostilado, pertencente a um sistema educacional direcionado para esse processo seletivo.

 

Além disso, no currículo direcionado ao segundo ano, foi observado que existe uma aula com o tema: “Contextualização histórica da formação da ordem marista na Europa do século XIX”. Contudo, ao ter uma conversa informal com um dos alunos do colégio, fui informado de que essa aula não é dada. Esse fato nos remete à metáfora da caixa preta, proposta por Antonio Viñao Frago, no sentido em que não existe um controle do que é ensinado dentro da sala de aula. Outro ponto que ajuda a reforçar esse argumento foi uma conversa que tive com um dos professores de História, responsável por lecionar no sexto ano do ensino fundamental, e também, no primeiro ano do ensino médio, pois este me revelou que não segue o conteúdo apostilado ao preparar as aulas, usando como justificativa o fato de que o material se baseia numa história factual ou História Positivista, todavia, sempre utiliza a apostila, a fim de fazer os alunos responderem os exercícios propostos. Este docente lembrou que, não poderia excluir o material completamente, pelo fato de as obras didáticas serem produzidas pela editora pertencente aos Maristas. Ou seja, embora haja um currículo escolar oficial, este pode ser subvertido na prática educacional, um aspecto que compõem a cultura escolar que, dentre outras características, está baseado no Consentimento Tácito, que consiste no docente aceitar a ordem oficialmente, mas não a cumprir de fato, tendo em vista o tempo das aulas, o calendário das avaliações, a participação ou não dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem, dentre outros fatores.

 

Ao retomarmos o conceito de História Positivista, Circe Bittencourt chegou a sintetizar o significado deste termo, atribuído à Escola Histórica Alemã, e também, aos Metódicos franceses do século XIX, como podemos observar no trecho a seguir:

 

“Os historiadores, impedidos de emitir qualquer juízo de valor, mantendo-se sempre em uma atitude imparcial e neutra diante dos fatos, têm como objetivo mostrar o que realmente aconteceu e como método a busca e a verificação de documentos fidedignos em arquivos, cujas análises devem eliminar uma apreciação subjetiva.” - (BITTENCOURT, 2008, p. 140)

 

Contudo, com a Escola dos Annales, que nasceu no início do século passado, foi evidenciado de que é impossível haver imparcialidade na pesquisa histórica, sendo que, a motivação para pesquisar algum tema sempre parte de um ponto de vista, assim como os documentos não são portadores de uma verdade universal.

 

No currículo escolar são previstas atividades para serem aplicadas em determinado momento. Quanto às atividades trabalhadas em aula, foi analisada uma na qual discutia a democracia ateniense, relacionando-a ao sistema democrático brasileiro dos nossos dias (exercício voltado ao primeiro ano do ensino médio). Resolvi destacar este exercício por ter percebido que era constante a dificuldade, por parte dos alunos, de conseguirem entender que, ao contrário do sistema democrático ateniense, que era excludente e exercido de forma direta, o nosso se baseia no modelo representativo, delegado pelo voto e que, ao menos na teoria, inclui toda a população. Em outras palavras, houve a grande recorrência do anacronismo, no sentido em que os valores, existentes no presente, foram transferidos erroneamente para o passado, por parte dos discentes.

 

Em minha observação das dúvidas dos alunos e mesmo em conversas com os docentes, percebi a dificuldade deles em abordar todo o conteúdo abarcado pelo currículo. Esse entrave é tão comum que Circe Bittencourt chegou a abordar um pouco este problema, mencionando que as aulas de história atingem, com certo esforço, o período Vargas ou a Segunda Guerra Mundial (BITTENCOURT, 2008).

 

Podemos evidenciar que existe um currículo oficial muito conteudista, no caso de meu objeto de análise. Todavia, não podemos esquecer de que existe um currículo real, ou seja, aquele que de fato é ensinado, por questões do tempo de duração da hora / aula, comportamento dos alunos perante o professor que também faz parte da cultura escolar, seja no respeito ao docente, seja no desacato à autoridade, etc.

 

Houve também o problema do anacronismo e existiu a dificuldade, por parte de um grupo de alunos, em estabelecer relações entre os conteúdos abordados em aula, seja para perceber uma semelhança, seja para notar uma diferença. Deficiências que tornam válida a metáfora da caixa preta, proposta por Frago. Em outras palavras, nem sempre o que é planejado em sala de aula ocorre de fato, lembrando de que, os problemas existentes na instituição de ensino, os valores morais e conteúdos escolares difundidos compõem o que é chamada de cultura escolar. Contudo, cabe ao educador guiar o processo dialógico junto aos seus educandos para que determinado saber faça sentido, conforme citação a seguir (grifos do autor):

 

“A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a intelegibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há intelegibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico”. (FREIRE, 2002, p. 17)

 

Podemos perceber que são muitos os desafios na prática docente, porém, devemos ter em mente a imagem do educando como um ser atuante na educação básica, trazendo e tendo seu repertório cultural valorizado, contribuindo para a evolução da cultura escolar, lembrando de que o conhecimento histórico é cumulativo e, por esse motivo, o educando pode e deve ter espaço nas instituições de ensino para o desenvolvimento de um determinado saber, como o historiográfico.

 

Referências biográficas

 

Luciano Araujo Monteiro é Técnico em Museologia pelo Centro Paula Souza (CPS). Graduado em História com Bacharelado e Licenciatura, com Certificação em Patrimônio pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Possui Especialização em Gestão Pública e Mestrado em História pela UNIFESP. É servidor público municipal.

Contato: lucianoaraujomonteiro@yahoo.com.br

 

Referências bibliográficas

 

BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez Editora, 2008.

 

ESCOLANO, Agustín. Arquitetura como programa. Espaço-escola e currículo. In: VIÑAO, Antonio e ESCOLANO, Agustín. Currículo, Espaço e Subjetividade: a arquitetura escolar como programa. RJ: DP&A, 1998. Cap. I, p. 19-57.

 

FRAGO, Antonio Viñao. Sistemas educativos, culturas escolares e reformas. Portugal, Mangualde: Edições Pedago, 2007. Cap. IV: As culturas escolares, p. 83-97.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

 

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 11-36.

6 comentários:

  1. Prezado, Luciano.
    Pelas sinalizações em seu artigo, é bastante desafiadora a docência nesta instituição marista. Numa conversa com professores desta instituição, eles revelaram como os alunos reagem a esta abordagem que subverte o currículo existente? Como os alunos enxergam este "ir além" do material didático?
    Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez

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  2. Prezada, Lucilia
    No período letivo em que analisei, isto é, o ano de 2011, foi possível observar por parte dos alunos que o livro didático não era visto como um material determinante em sua formação. Desse modo, havia maior interação entre docente e discente por meio do método dialógico, proposto por Paulo Freire e utilização de materiais complementares em sala de aula como a exibição de filmes, a fim de contribuir para a exposição de determinada temática por parte dos professores, com comentários adicionais fornecidos pelos educadores.

    Luciano Araujo Monteiro

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    1. Muito obrigada pelos apontamentos, Luciano. Tem um trabalho também muito relevante, feito na rede marista da Paraíba, do Danilo Alves, com um levantamento através da História Oral, sobre a temática da Ditadura Civil Militar. Muito bom mesmo.
      Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez

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  3. Olá, Lucilia. Você teria o link de acesso ao trabalho sobre os maristas que mencionou para mim?
    Abraço

    Luciano Araujo Monteiro

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    1. Luciano, me passe seu email de contato para que eu envie a você.
      Lucilia Maria Esteves Santiso Dieguez

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    2. lucianoaraujomonteiro@yahoo.com.br

      Luciano Araujo Monteiro

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