Valmir Medina Riga

 AS RELIGIÕES COMO TEMA DE ESTUDO EM HISTÓRIA – UMA BREVE REVISÃO TEÓRICA PARA COMPLEMENTAÇÃO FORMATIVA DE DISCENTES DE LICENCIATURA

 

Valmir Medina Riga

 

Introdução

           

As religiões, não poucas vezes, são temas correntes nas aulas de História e em todos os níveis da educação formal em que essa disciplina acadêmica se faz presente. Por certo, isso não é nenhuma novidade. Afinal, quem de nós, ao longo de nossa trajetória escolar, seja como estudante ou docente, nunca se deparou com ao menos um evento histórico marcado por comportamentos, ideias e visões de mundo religiosas?

 

Porém, esse não será exatamente o nosso ponto de discussão. O motor que de fato nos impulsionou ao desenvolvimento desse artigo consiste, propriamente, no outro lado dessa moeda, não raro desafiador: as reações comocionais que se afloram quando exposto o protagonismo de alguma religião não apenas em fatos e eventos, mas até mesmo em todo um fenômeno histórico. Mas isso também não é novidade, e dois exemplos bastante comuns já bastariam para ilustrar essa situação: quantas vezes colegas docentes, ao discorrerem sobre o tradicional tema da Inquisição, já não foram criticados como “detratores” da Igreja Católica? E quantas vezes nas aulas de História e Cultura Africana/Afrobrasileira o ensino-aprendizado já não se fez bloqueado pela mentalidade ainda preconceituosa (tanto de discentes quanto de docentes) quando inclusa a temática religiosa nas abordagens?

 

Diante dessa realidade educacional, julgamos então de grande importância estimular a capacitação das/dos futuras/futuros docentes de História em direção ao aprimoramento de certas habilidades para o trato dessa questão. Essas habilidades, por um lado, podem lhes proporcionar a segurança necessária a fim de não desanimarem em situações adversas que, muitas vezes, resultam em estagnação das discussões. Por outro lado, e talvez mais importante, poderão levá-los além: por meio de um conhecimento academicamente mais elaborado e embasado, serão capazes de melhor direcionar suas/seus discentes a debates e reflexões mais libertos do senso comum e das ideias preconcebidas derivadas do meio sociocultural, quando a centralidade das aulas se fizer voltada à temática da religião.

 

Todavia, cumpre deixar claro que, por ora, não pretendemos apresentar sugestões de práticas pedagógicas ou de estratégias em sala de aula, face ao nosso conhecimento ainda exíguo nesse campo. Outrossim, esforçaremo-nos a resenhar alguns subsídios teóricos que possam encaminhar a/o leitora/leitor a algumas ponderações racionalmente construídas sobre as religiões em sua dimensão histórica – ponderações essas, aliás, urgentes ante à atual conjuntura político-social potencialmente destrutiva dos saberes acadêmicos.

 

E para melhor organização e assimilação das ideias, optamos por dividir o texto didaticamente em quatro questões básicas, as quais consideramos preliminares e fundamentais ao estudo e compreensão sistematizada de nosso objeto. A propósito, iremos partir da questão mais primordial de todas elas: como definir “religião”.

 

Como podemos definir “religião”?

 

Obviamente, antes de prosseguirmos com a nossa exposição, consideramos de suma importância discutir um pouco o conceito de “religião”.

 

Entre as pessoas que nutrem interesse no estudo das religiões, é bastante comum, e até mais prático, buscar o fundamento desse conceito na própria etimologia da palavra “religião”. A princípio, muitas das possíveis origens do termo podem até satisfazer essa necessidade. Basta-nos, por exemplo, extrair do latim algumas palavras como “religio”, utilizada nas referências a qualquer conjunto de regras e interdições (SILVA; SILVA, 2013); “relegere”, significando escolher, dispor-se, escutar, retomar o zelo aos deuses, cultos e oráculos; e, talvez a mais popular de todas, “religare”, isto é, retomar o laço que une a criatura ao Criador, no sentido de servir, obedecer (AZEVEDO, 2010).

 

Mesmo com esses poucos exemplos, nota-se, pois, que as possíveis origens do atual termo “religião” constituem um conjunto bastante elástico de significados, tornando-o multifacetado. Consequentemente, tentar definir um conceito que nos traga uma explicação totalizante e universal de religião a partir de uma origem etimológica pode vir a ser um trabalho sem fim, sobretudo quando se observa que as próprias manifestações religiosas se apresentam de formas múltiplas, variando de acordo com cada cultura, contexto ou ideologia – escapando, portanto, de toda e qualquer explicação sintética e global.

 

Todavia, como integrantes da comunidade educacional e acadêmica, é válido nosso esforço por uma definição conceitual de religião, dentro, certamente, dos parâmetros que norteiam a produção do conhecimento científico. Afinal, a partir de conceitos racionalmente construídos, poderemos melhor conduzir nossos trabalhos nessa área sem a interferência de juízos preconcebidos e de proselitismos.

 

No âmbito acadêmico-científico, entende-se por religião todo fenômeno que orienta a distinção entre uma esfera sagrada/transcendente e o mundo profano/terreno (HERMANN, 1997), denotada, no caso, pela relação do ser humano com aquilo que ele concebe como sagrado, por meio de crenças, preceitos, valores e códigos de conduta visando lidar com as mais diversas questões, tais como a origem da humanidade e o mistério da morte (SILVA; SILVA, 2013).

 

Por essa ótica, religião seria a expressão de todo conjunto normatizado e homogeneizado de ritos, doutrinas, dogmas e organização dos fiéis (HERMANN, 1997), numa primeira vista correspondendo, por exemplo, a instituições estruturadas como o cristianismo, o judaísmo, o islã, o budismo, o hinduísmo, o candomblé, o kardecismo. Em última análise, essas instituições consistiriam enfim num corpo social e/ou documental encarregado tanto de distinguir o sagrado quanto de “administrá-lo”.

 

Mas é obrigatório ressaltar, também, a importante diferenciação que muitas/muitos pesquisadoras/pesquisadores atuais fazem entre “religião” e “religiosidade”. A partir de suas bem elaboradas problematizações, e para melhor compreender a dinâmica religiosa, passou-se a distinguir como religiosidade todas as manifestações e crenças geralmente não reconhecidas pelos discursos “oficiais”, através das quais os/as praticantes se apropriam da religião institucional e, ao mesmo tempo, dela se afastam – ou seja, asseguram estar vivenciando a religião “oficial” mesmo se abstraindo de certos dogmas e preceitos proclamados pela corpo institucional (ANDRADE, 2010). Correspondem, enfim, às crenças e práticas que, em outras aplicações, são chamadas de “populares”.

 

De qualquer forma, devemos ter em mente que todas essas definições de religião não são estanques, e constituem objeto de discussão há muito tempo – e ainda longe do fim! A nível científico-acadêmico, a gama de conceitos já vem se desenvolvendo desde o século XIX, quando pensadores como Emile Durkheim e Wiliam James, por exemplo, iniciavam os fundamentos teóricos sobre o assunto. Para Durkheim, no caso, a compreensão de religião só se faz possível quando correlacionamos esse fenômeno diretamente ao grupo social, ou seja, ao coletivo que o manifesta (NORONHA, 2021, notas); James, por sua vez, percebe a religião mais como um sentimento individual e subjetivo – algo próximo do que se entenderia hoje por “espiritualidade”. É de James, aliás, uma interessante definição de religião que enfatiza o protagonismo de seus agentes (in TONIOL, 2021, transcrição): “Religião são sentimentos, atos e experiências de indivíduos em sua solidão, na medida em que se sintam relacionados com o que quer que possam considerar divinos”.

 

E quais os parâmetros para qualificar um fato ou fenômeno como religioso?

 

Apesar de tantas outras importantes definições de religião articuladas pelos mais renomados estudiosos, o destaque que anteriormente demos à definição de religião por William James, neste nosso caso, não se faz a esmo, pois ela remete-nos apropriadamente a um detalhe muitas vezes determinante no campo investigativo da História das Religiões e do qual não poderíamos passar ao largo.

 

Ora, na medida em que um observador externo (no espaço ou no tempo) consegue classificar como religioso um determinado fato ou fenômeno, é porque o próprio agente histórico envolvido na ocorrência desse fato/fenômeno assim o possibilitou, quer tenha havido ou não, por parte desse agente, algum esforço para qualificá-lo ou evidenciá-lo como religioso – ou, até mesmo, racionalizá-lo como algo à parte das demais vivências cotidianas. Em outras palavras, importa-nos entender que é o próprio agente histórico – coletivo ou individual, frisa-se – quem irá nos indicar a ocorrência de alguma manifestação religiosa, observável em termos de comportamentos, práticas, pensamentos ou memórias.

 

Mas aqui vale uma importante ressalva: no trato das informações históricas e bibliográficas, devemos sempre prezar pela cautela e acuidade interpretativa, diante do risco de sermos induzidos a certos equívocos quando de conclusões muito imediatas (ou inicialmente fáceis) de algum documento/monumento histórico, como textos, pinturas, esculturas, registros audiovisuais etc.

 

Para melhor demonstrar, didaticamente, como poderia ocorrer um “equívoco interpretativo”, façamos uma breve análise contextual da seguinte fala radiofônica de Harry Truman, presidente dos EUA ao final da Segunda Guerra Mundial, sobre o bombardeio de seu país a Hiroshima:

 

“Agradecemos a Deus por ter posto a bomba em nossas mãos e não nas mãos dos nossos inimigos; e rogamos a Deus que nos guie em seu uso, de acordo com seus caminhos e seus propósitos” (apud GALEANO, 2012, p. 252).

 

Pelo fato da Segunda Guerra Mundial constituir um dos eventos mais conhecidos e estudados na História, é notório que o contexto das decisões, movimentos e consequências desse conflito esteve essencialmente circunscrito às questões geopolíticas e econômicas, e não religiosas. Agora, imaginemos que nenhuma outra fonte histórica a respeito da Segunda Guerra estivesse a nosso dispor, mas tão somente esse discurso do mandatário estadunidense... Certamente, grande poderia ser a nossa tendência em sobrelevar a dimensão religiosa como fator motivacional do conflito!

 

Ainda que aqui simulada, situações como essa, no entanto, podem provavelmente vir a ser uma realidade quando da análise de fatos e fenômenos com diversos obstáculos de informação – tais como a escassa ou fragmentada produção de fontes documentais ou, até mesmo, o controle do conhecimento por certos grupos visando favorecer interesses próprios. Seja como for, a prudência e a acuidade ao lidar com as fontes documentais, enfim, perfazem também uma das diretrizes básicas a quem pretende estabelecer o caráter religioso de algum fato ou fenômeno histórico.

 

Não obstante, ao tempo em que analisamos a produção documental dos antepassados em busca dos indicativos da relação sagrado-terreno, devemos também, contudo, evitar nos guiar “pelos termos do discurso que a religião elabora sobre si mesma” (MATA, 2010, p. 19), devido, pois, a outro risco: o de transformarmos nossa disciplina em um trabalho involuntariamente apologético. Cientes estamos, no entanto, de que essa não é uma tarefa fácil, nem mesmo para os/as mais experientes pesquisadores/pesquisadoras! Mas nossos estudos e debates já podem tomar novos caminhos quando, ao menos, sabemos que existe uma fronteira entre uma historiografia idealizada pelos agentes religiosos e a historicidade das religiões apreendida pelo observador externo a partir da inter-relação da religião com a cultura e a sociedade (MATA, 2010).

 

Mas por que nos dedicarmos ao estudo das religiões?

 

Embora muitas sejam as razões que validam o esforço em se estudar as religiões e os seus desdobramentos históricos, entendemos ser bastante suficiente, por ora, mencionar um notável motivo: a experiência religiosa é um dos mais contundentes aspectos definidores do ser humano (SILVA; SILVA, 2013). Vale ressaltar que, no nosso caso, como entusiastas da história das religiões, essa premissa é particularmente decisiva, pois permite-nos depreender o seguinte raciocínio favorável ao que aqui defendemos: se o ser humano é o objeto central de nossa Ciência e se, segundo os historiadores de Annales, nossa busca se faz guiada por tudo o que é humano (KARNAL; TATSCH, 2009), a visão de mundo religiosa, como objeto de investigação, faz-se então merecedora da mesma atenção dada aos demais fatores que nos qualificam exatamente como humanos. Em outras palavras, se o ser humano é o principal elemento em nosso gênero de investigação, torna-se imperioso, portanto, englobarmos em nossos estudos um fenômeno que também contribui com a singularidade da espécie humana: a concepção religiosa de sua própria existência.

 

A título de exemplo, lembremo-nos de uma modalidade de experiência religiosa bem específica e que consiste numa das maiores provas de nossa humanização, fazendo-nos distintos dos demais seres: a prática do sepultamento (MORIN, 1970). Como se sabe, as inumações, de modo geral, sempre estiveram estreitamente relacionadas a ideias e concepções de caráter religioso – como o renascimento, a ressurreição e o culto aos espíritos dos antepassados. Assim, uma vez reconhecida a prática de sepultamento como uma das marcas definidoras da espécie humana, a dimensão religiosa a ela intrínseca carregaria em si o mesmo status.

 

Além disso, segundo o bem referenciado historiador das religiões Mircea Eliade (2010), o fenômeno religioso não é apenas uma fase da história humana, mas sim um elemento na própria estrutura de nossa consciência. Não por acaso, o pensamento religioso e a experiência religiosa foram e ainda são influência corrente nas mais diversas esferas da vida, desde a política e a economia até as relações sociais e, mesmo, a sexualidade (MATA, 2010).

 

No campo das concepções teóricas, estes seriam, em suma, alguns dos motivos mais tangíveis –  e um tanto legítimos! – para nos dedicarmos ao estudo das religiões sem o receio de que estaríamos despendendo nosso tempo a um assunto coadjuvante. No âmbito das observações cotidianas mais próximas, por sua vez, as motivações são talvez ainda mais inequívocas, e um fenômeno bem familiar para grande parte da sociedade, como o cristianismo católico, pode nos ajudar a sustentar essa afirmação.

 

No senso comum, o catolicismo é em geral idealizado como um conjunto de ideias e práticas sempre uniformes, em todos os séculos de sua existência e em todos os continentes. Ao estudá-lo historicamente, no entanto, podemos notar as muitas nuances vinculadas às particularidades de cada contexto histórico. Basta-nos, para tanto, observar o caso do Brasil em que, desde os primórdios da ocupação colonial, o catolicismo jamais se manifestou de maneira única: no início evidenciavam-se, por um lado, o Padroado Real e o milenarismo português (BOXER, 2002) e, de outro, víamos também a autonomia dos colonos com oratórios privados, irmandades e centros de devoção (BETHELL, 1998; PEREIRA, 2003), além do afro-catolicismo dos escravizados (REIS, 2009); ao longo do tempo, veríamos ainda o endurecimento dos católicos contra o que considerariam “ignorância religiosa” de outras denominações (MAINWARING, 1989), bem como as mobilizações político-sociais de organizações leigas e religiosas durante a ditadura militar (LIMA, 1979).

 

Claramente, essas nuances demonstram que o catolicismo, enfim, não perfaz uma manifestação monolítica externa ao ser humano, mas sim uma variável de sua própria cultura – entendimento esse, aliás, concernente ao próprio escopo historiográfico. Com efeito, o estudo das religiões, sob essa perspectiva, faz-se tão válido quanto todo e qualquer método útil à compreensão dos caminhos percorridos por nossos antepassados na construção desta sociedade que hoje herdamos.

 

E como podemos analisar as religiões?

 

Semelhantemente a qualquer temática em História, estudar as religiões, em seu sentido histórico, também requer um esforço que vá além da enumeração de fatos e cronologia. Afinal, as abordagens simplesmente factuais pouco podem oferecer a quem realmente almeja entender a dinâmica das sociedades no passado – um pressuposto, aliás, já bem consolidado em nosso meio.

 

Como um dos passos fundamentais, é preciso ter em mente que as sociedades constituem sistemas integrados e, portanto, manifestam similaridades históricas entre si (FONTES, 1997). E dentro dessa concepção, os/as estudiosos/estudiosas entendem que pontos de partida teóricos empregados como “elemento explicador” – também chamados de modelos – podem nos possibilitar um esclarecimento maior sobre o objeto analisado.

 

No caso das religiões, fazem-se úteis, por exemplo, duas perspectivas de abordagem bastante usuais no âmbito acadêmico, que aqui didaticamente denominaremos de “perspectiva sócio-política” e “perspectiva da história cultural”.

 

Na perspectiva sócio-política – onde se destacam intelectuais indispensáveis como Weber, Marx, Engels, Gramsci, Ernest Bloch – a religião é relacionada à organização social e às estratégias de poder (HERMANN, 1997). Numa visão geral, ela pode assumir um duplo caráter: de um lado, faz-se meio de legitimação da ordem estabelecida e, de outro, meio de crítica, protesto e/ou revolução (LOWI, 2000). Nesta última faceta, as revoltas de Canudos e Contestado podem nos servir de exemplo (HERMANN, 1997).

 

Já na perspectiva da história cultural, o foco é o que se convenciona chamar de circularidade cultural e hibridismos. Em resumo, entende-se que as ideias e experiências religiosas encontram-se sujeitas a três condicionantes: a conservação, a difusão e a reelaboração, cujos resultados ajudam a moldar as visões de mundo em cada época (HERMANN, 1997). As ideias e manifestações religiosas são, assim, recebidas, difundidas, elaboradas e reelaboradas por inúmeros “filtros” sociais –  os quais, a propósito, podem tanto dificultar quanto enriquecer o nosso trabalho de historiador/historiadora: por um lado, as origens de ritos, crenças e mitos, por exemplo, podem se tornar inacessíveis; por outro lado, entretanto, o vínculo entre as formas de manifestação religiosa e a conjuntura histórica nos possibilitariam explicar historicamente as sucessivas ressignificações religiosas (HERMANN, 1997). Vale ressaltar também que, nessa perspectiva de análise, as pessoas comuns é que constituem o elemento das transformações históricas, em um contexto delineado pela relação entre as iniciativas pessoais e as necessidades do grupo social (HERMANN, 1997).

 

Obrigatório alertar que esses dois exemplos de perspectiva teórica foram aqui apresentados de maneira ainda extremamente rudimentar, sob o risco de grosseira simplificação e sem o devido detalhamento que esse tópico exige. Todavia, dentro das dimensões propostas a este artigo, acreditamos já ter sido possível, com essas poucas linhas, esboçar algumas noções básicas sobre os caminhos mais coesos rumo à compreensão histórica das religiões. Embora jamais devam servir de “guias” para pautar a realidade (como uma maquete!), esses modelos constituem, enfim, instrumentos de trabalho que possibilitam estabelecer homologias entre as informações coletadas de fatos e fenômenos distintos entre si e, ao final, apreender o sistema que os ordena (FONTES, 1997). 

 

Considerações finais

 

Como pudemos notar, múltiplas são as formas de se interpretar as religiões e os fenômenos a elas relacionados. Com efeito, ao se tentar compreender ou descrever alguma religião ou sistema religioso em poucas linhas, por mais simples que possa parecer sua estrutura, os resultados não são tão imediatos ou claramente conclusivos.

 

Calculemos, então, o que deve ocorrer naquelas discussões desobrigadas do rigor acadêmico, que aqui somente em parte revisitamos! Sem muito esforço, podemos concluir (e até notar nas experiências reais) que de modo geral essas discussões, mesmo involuntariamente, acabam infelizmente se resumindo ao campo das ideias preconcebidas, sem o devido discernimento e de acordo com a convicção pessoal de cada interlocutor/interlocutora.

                                                                                                            

Assim, independentemente do espaço da discussão (nas escolas, nas universidades ou nas rodas informais, presencial ou virtualmente), qualquer debate sobre esse tema sempre trará consigo um considerável grau de complexidade. Contudo, não devemos por isso nos esmorecer. A nosso favor, poderemos contar sempre com a singular energia mobilizadora das/dos estudantes das Ciências Humanas na busca pelo conhecimento além do elementar, fazendo-nos permanentemente otimistas quanto à transformação racionalmente qualitativa dos debates mais que prementes sobre as religiões e sua história.

 

Referências biográficas

 

Valmir Medina Riga, Especialista lato sensu em História das Religiões - Fundamentos para a Pesquisa e o Ensino pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), licenciado em História pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) e membro da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR).

 

Referências bibliográficas

 

ANDRADE, S. R. de. O culto aos santos: a religiosidade católica e seu hibridismo. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, n. 7, mai. 2010, p. 131-145. Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf6/6Solange.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2013.

 

AZEVEDO, C. A. de. A procura do conceito de religio: entre o relegere e o religare. Religare, João Pessoa, vol. 7, n. 1, mar. 2010, p. 90-96. Disponível em: <http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/religare/article/view/9773>. Acesso em: 17 ago. 2013.

 

BETHELL, L. (org.). História da América Latina. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1998.

 

BOXER, C. R. O império marítimo português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

 

ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. 3 v.

 

FONTES, V. História e modelos. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

 

GALEANO, E. H. Os filhos dos dias. Porto Alegre: L&PM, 2012.

 

HERMANN, J. História das religiões e religiosidades. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

 

KARNAL, L; TATSCH, F. G. A memória evanescente. In: PINSKY, C. B.; LUCA, T. R. de (orgs.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009.

 

LIMA, L. G. S. Evolução política dos católicos e da Igreja no Brasil: hipóteses para uma interpretação. Petrópolis: Vozes, 1979.

 

LOWI, M. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2000.

 

MAINWARING, S. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 1989.

 

MATA, S. da. História e religião. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

 

MORIN, E. O homem e a morte. 2. ed. Lisboa: Europa-América, 1970.

 

NORONHA, M. P. História e teorias antropológicas da arte e pensamento religioso: ética, estética, sagrado e valor. In: XVII Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões - Éticas e religiões em tempos de crise (online), Morrinhos: ABHR/UEG, 2021. Minicurso online (transmissão síncrona), 240 min. Ementa do minicurso disponível em: <http://www.even3.com.br/abhrnacional2021/>. Acesso em: 24 nov. 2021. Notas de aula.

 

PEREIRA, J. C. A linguagem do corpo na devoção popular do catolicismo. Revista de estudos da religião, São Paulo, n. 3, 2003, p. 67-98. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv3_2003/p_pereira.pdf>. Acesso em: 22 set. 2013.

 

REIS, J. J. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

 

SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Religião. In: SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 354-358.

 

TONIOL, R. Éticas e religiões em meio à crise biopolítica da Covid-19. In: XVII Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões - Éticas e religiões em tempos de crise (online), Morrinhos: ABHR/UEG, 2021. Conferência online, 82 min. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oM2QU5M2TFc>. Acesso em: 26 nov. 2021.

15 comentários:

  1. Olá, Valmir Riga!
    Tudo bem? Espero que sim.

    Antes de mais nada, parabéns pelo competente texto.

    Embora você tenha deixado claro que não pretendia “[...] apresentar sugestões de práticas pedagógicas ou de estratégias em sala de aula [...]”, gostaria de saber sua opinião sobre o “sequestro” da religião pelas pautas políticas (prática, inclusive, velha entre nós) e o quanto isso torna o estudo da História da Religião em sala de aula (tanto na Educação Básica quanto no nível Superior) ainda mais complexo. A curiosidade é legítima, pois nasce do contexto que você chamou no artigo de “[...] conjuntura político-social potencialmente destrutiva dos saberes acadêmicos.”.

    Abraço!

    Antonio José de Souza
    (Bahia)

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    1. Olá Toni! Obrigado pelo seu comentário! Seu questionamento é bastante pertinente face ao momento que hoje vivemos.
      Quando nos dedicamos ao estudo das religiões, sobretudo no âmbito antropológico e histórico, aprendemos que, por motivos vários e muitas vezes complexos, elas impactam todas as dimensões de nosso gênero humano: as emoções, os sentidos, a psique, a linguagem... Assim sendo, não é difícil imaginar, portanto, o motivo de a religião ter sido invariavelmente instrumentalizada para fins políticos e/ou ideológicos. Mas acredito que o que realmente tem nos impressionado nos últimos tempos é a intensificação dessa instrumentalização – uma instrumentalização provavelmente não planejada mas, no decorrer do tempo, percebida como um meio eficaz para se atingir outros fins que não o religioso em si, ganhando destaque dentre os outros recursos disponíveis. Essa, talvez, seja a conjuntura que atualmente nos afeta e, para uma compreensão mais racional – e isenta das emoções provocadas pelo calor da hora! – de sua gênese e evolução, precisaríamos ainda aguardar um tempo.
      Mas o que eu gostaria de destacar, aqui, é a sua percepção de que o sequestro político da religião afeta diretamente o ato de se estudar a História das Religiões em sala de aula, tornando-o cada vez mais complexo. E a partir desse entendimento, vou tratar de uma inquietação em especial – dentre tantas inquietações que, com certeza, essa conjuntura nos provoca!
      Como você bem lembrou, não é de hoje que a religião tem sido “sequestrada” pelas pautas políticas e, com certeza, muitas/muitos educadoras/educadores da área de História, ao longo do tempo, conheceram bem a dificuldade de lidar com esse obstáculo. Todavia, nós da área educacional de hoje, além de embaraçados por essa apropriação da religião, ainda temos que enfrentar a sua amplificação de forma desmedida através dos atuais meios de comunicação digitais (web, aplicativos de mensagem etc.) que possibilitam um espaço praticamente infinito para a proliferação de discursos destinados somente à legitimação de convicções pessoais e de interesses corporativistas, muitas vezes “maquilados” de cientificidade e de historicidade – uma “cientificidade” e uma “historicidade” que, aos olhos e ouvidos de seu público-alvo, fazem-se convincentemente legítimas e com forças para, inclusive ou sobretudo, controverter e questionar a validade do conhecimento verdadeiramente científico – o qual, no fim das contas, dificulta-lhes a instrumentalização da religião no âmbito político, social, cultural.
      É certo, porém, que os atuais meios de comunicação digitais também disponibilizam um espaço infinito à divulgação do conhecimento legitimamente científico-acadêmico... Entretanto, percebo que poucos são os usuários com discernimento suficiente para uma sábia clivagem de conteúdos. Mas onde se conseguir a habilidade necessária para esse discernimento a não ser, na maior parte das vezes, nas escolas e nas universidades? Notemos aí, portanto, o círculo vicioso no qual fizeram-nos entrar: as escolas e universidades são a base dessa aprendizagem, mas o seu ensinamento tem sido contraposto e invalidado justamente por aqueles discursos que, nesses espaços, teríamos a possiblidade de descontruir!
      Espero, enfim, não ter transmitido aqui uma mensagem de pessimismo e desânimo!! Mas são as inquietações que alimentam o nosso desejo por transformações!
      Obrigado mais uma vez, Toni, pelo seu comentário. Abraços!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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    2. Oi, Valmir!
      Obrigado por seu empenho em responder-me. Aproveito para lhe sugerir um artigo (desconsidere a sugestão se já tiver lido):

      SILVA, Eliane Moura da. Estudos de religião para um novo milênio. In: KARNAL, Leandro (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2020. p. 205-215.

      Abraços!

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  2. Caro Valmir, inicio parabenizando-o pelo artigo. Você trouxe, de modo coeso, bem fundamentado e objetivo, uma consistente contribuição para o campo da historiografia das religiões. É certo que você aponta, no início do artigo, que não é objetivo do texto debater propriamente as práticas pedagógicas ou estratégias de ensino acerca do tema das religiões. Contudo, enquanto professor e pesquisador da área de Ensino de História, penso ser pertinente dirigir-lhe o seguinte questionamento: como você enxerga o campo do ensino religioso (não necessariamente como disciplina, mas também o sendo) no eixo dos processos de ensino e aprendizagem escolar, levando em conta a complexidade que é trabalhar este objeto nas imediações da sala de aula? Pergunto isso porque já fui professor de Ensino Religioso e encontrei, à época, imensas dificuldades em conduzir os/as alunos/as a um processo de abstração no entorno das diferentes formas e objetos de crença existentes na história da humanidade para além da vertente católica/cristã (sobretudo quando se trabalha com as religiões de matriz africana e as crenças indígenas). É sempre muito difícil - mesmo entre alunos do ensino superior - debater a religiosidade como fenômeno, seja em decorrência de convicções circunscritas no âmago da fé ou mesmo nas imediações ideológicas. Dito isso, gostaria que comentasse um pouquinho a esse respeito.
    Atte.,
    Fábio Alexandre da Silva

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    3. Olá Fábio! Muito obrigado pelo seu comentário, e o questionamento que você nos traz é realmente de grande relevância!
      Acredito que a proposta de um Ensino Religioso na forma como você mesmo já ministrou em sala de aula é válida em todos os sentidos. Provavelmente, o desvirtuamento dessa proposta, que vemos no geral, deve-se à ideia induzida pela inapropriada nomenclatura "Ensino Religioso": seja pelo público-alvo (estudantes) ou pelos agentes externos ao ambiente educacional (famílias, instituições religiosas etc.), é imaginável que muitos esperem dessa disciplina algo que venha a afirmar os valores e as condutas referendados pela religião majoritária em seu contexto sociocultural, e com os quais a maioria comunga e os entende como princípios naturais de ordenação da sociedade (fazendo-me lembrar, aliás, daquela antiga disciplina chamada “Educação Moral e Cívica”, dos tempos da ditadura militar...)
      Assim, julgo que essa disciplina deveria expor mais claramente seus objetivos já a partir do próprio nome, adotando-se, por exemplo, "História das Religiões" (similar à bem respeitada disciplina "História das Artes"), "Ciência das Religiões", "Sociologia das Religiões" ou, até mais adequadamente, "Antropologia das Religiões".
      Entretanto, poderia ainda persistir o risco de desvirtuamento da proposta disciplinar pelo fato de se estar tratando muito especificamente de uma tema que, queiramos ou não, movimenta emoções e convicções pessoais. Nesse caso, talvez, a solução mais prática seria não mais compartimentá-la numa disciplina exclusiva, mas distribuir o seu conteúdo de forma bem planejada por entre outras disciplinas já bem consolidadas no meio escolar e abrangentes de toda a ação humana, como a História, a Geografia, a Sociologia e a Filosofia.
      Não sei se consegui contribuir satisfatoriamente pare esse debate, mas todo esforço é sempre salutar! Obrigado e grande abraço, Fábio!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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    4. Valmir, agradeço pelo empenho em debater um tema tão relevante - e complexo - como este. Suas respostas foram bastante elucidativas. Gostei bastante da proposta de alteração no nome da disciplina, creio que, a esta maneira, poder-se-ia vislumbrar horizontes mais claros e menos tortuosos. Sigamos nos debruçando sobre esse rico campo de estudo.

      Um abraço!
      Fábio A. da Silva

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  3. Olá Valmir! Sobre seu instigante texto pergunto! Nas escolas o conhecimento das religiões e seu ensino deve ser maior que o conceito de tolerância? Como podemos pensar encaminhamentos didáticos nos dias de hoje? Abcs!

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    1. Olá prof. Crema! Fico feliz por seu questionamento e agradeço pela oportunidade de abordarmos também essa questão da intolerância! Indiscutivelmente, ela constitui um dos vários desdobramentos incontornáveis da temática religiosa - os quais, infelizmente, não conseguimos abordar, todos, em um breve artigo apenas!
      Mesmo que, forçadamente, tentássemos dissociar religião de intolerância, a própria História iria nos contradizer, desde a mais remota antiguidade até os nossos tempos. Afinal, o que fez Akenaton, por exemplo, com as crenças tradicionais dos egípcios ao impor o seu monoteísmo solar? E os
      israelitas contra as devoções religiosas dos povos vizinhos? E os imperadores romanos contra o nascente monoteísmo cristão? E a cristandade medieval europeia contra judeus e muçulmanos? E, no Brasil, os missionários jesuítas contra as práticas xamânicas dos povos nativos? E a atual “demonização” das religiosidades afro-brasileiras por parte dos cristãos neopentecostais, lado a lado com a crescente onda de destruição de seus espaços sagrados? Com tudo isso se expondo aos nossos olhos, considero, portanto, praticamente impossível tratar de religião sem nos determos também, em pé de igualdade, na questão da intolerância – aliás, peça não poucas vezes central no desenrolar histórico de muitas sociedades. Caberia, até mesmo, levarmos em consideração a necessidade premente de uma “História das Intolerâncias”!
      Quanto aos encaminhamentos didáticos, penso que o trato multidisciplinar da intolerância seria o eixo mais adequado, permeado em disciplinas propícias a essa abordagem, em especial a História e a Sociologia (e se levarmos em conta, também, a problemática das migrações vinculadas às intolerâncias étnico-religiosas, a Geografia, por exemplo, desempenharia um papel igualmente fundamental). Dentro do escopo de cada disciplina, entender-se-ia tanto as formas em que se opera a intolerância quanto as consequências catastróficas dessa ação – apenas para citar alguns dos resultados possíveis.
      Enfim, trata-se de um tema para frutíferos debates, com os quais todos deveríamos nos comprometer! Mais uma vez, obrigado!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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  4. Valmir, parabéns pelo texto! Mas gostaria de provocá-lo pensando sua proposta de tratar a história a partir da religião um tanto rasa quanto às aspirações (que vemos?) mais profundas dos povos por conquistas e poder.

    A religião não seria apenas um dos instrumentos narrativos para justificar as ações dos conquistados e conquistadores ao longo da história?

    Por que colocar sobre a mesa dos discentes as justificativas (religiosas) dos personagens e não os efeitos devastadores destas num mundo que cada vez mais comprova a tese de Marx sobre a luta de classes?

    Att,

    Samuel de Oliveira Gomes Pereira Padua.

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    1. Olá Samuel ! As provocações acadêmicas são sempre muito salutares pois, ao dar uma “sacudida” nas “certezas” teórico-metodológicas em que muitas vezes nos acomodamos, ajudam-nos a aprimorar o nosso conhecimento!
      No decorrer do artigo, talvez não tenhamos deixado muito claro que, nele, visamos essencialmente demonstrar a pertinência de uma História das Religiões como subtema também importante na nossa disciplina, a qual carregaria em si o mesmo valor atribuído àqueles subtemas tradicionais e já consolidados, como as clássicas História Econômica, História Social e História da Arte, dentre tantas outras.
      Porém, dedicamo-nos a apresentar, também, alguns métodos possíveis para se interpretar as religiões, considerando-as historicamente tão protagonistas quanto às demais dimensões da ação humana. Por isso, ao final, esforçamo-nos em expor, ao menos, dois modelos de análise histórica, sendo um deles aquele que chamamos de “perspectiva sócio-política”, e cuja metodologia adequa-se exatamente à percepção e à tendência em interpretar as religiões de modo semelhante ao que você nos apresentou, como sendo: (1) aspiração mais profunda dos povos por conquistas e poder; (2) instrumento narrativo para justificar as ações dos conquistados e conquistadores ao longo da história; (3) geradora de efeitos devastadores num contexto de luta de classes.
      Em suma, apesar de termos dedicado grande parte do artigo para demostrar a importância das religiões como tema de estudo em História, procuramos, entretanto, salientar que diversas são, também, as formas de interpretá-las – dentre as quais subentende-se a presença da também importante visão de caráter marxista. Por isso, considero totalmente válidas as formas que você aqui nos apresenta de entendimento das religiões – embora devamos sempre estar atentos para a escolha mais adequada de análise, em vista das particularidades de cada fenômeno ou momento histórico.
      Infelizmente, em vista de minha formação acadêmica majoritariamente influenciada pela Escola de Annales, sinto não poder adentrar tão profundamente, enfim, em um debate contemplando as percepções da corrente marxista; todavia, certamente considero suas teses permanentemente válidas como ferramentas de estudo.
      (Vale lembrar que, a propósito, muitos historiadores da Escola de Annales, que nos sustentam teórico-metodologicamente, tiveram formação marxista e nos transmitiram parte desse importante legado!).
      Enfim, agradeço mais uma vez pela sua leitura e por nos apresentar também a sua perspectiva. Grande abraço, Samuel !
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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  5. É perceptível como a religião está presente em nossa sociedade desde sempre, e, consequentemente, ela tornou-se uma base para o mundo e passou a influenciar – diretamente ou não – diversos setores da sociedade. A partir disso, é possível dizer que a religião, por inúmeras vezes, está mais interligada com questões político-financeiras do que com o seu propósito central (que, por sua vez, deveria ser o amor, a união e o respeito ao próximo)?

    Abraço,
    Giovana Emanuele Gregorio de Almeida

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    1. Olá Giovana! Obrigado pela leitura de nosso artigo e pela questão que você nos apresenta, a partir de uma afirmação com a qual concordamos totalmente.
      Sabemos que, praticamente, toda religião nasce de rupturas com ideias e práticas antecedentes a ela; mas, ao mesmo tempo, faz-se também continuidade de muitos elementos presentes nessas mesmas ideias e práticas com a qual se está a romper – além, também, do hibridismo com outras religiões e religiosidades a ela adjacentes. Apesar da complexidade desse fenômeno – que nos exigiria muitas páginas de discussão para melhor entendimento – é possível, grosso modo, extrairmos daí uma observação preliminar: assim como inexiste uma “cultura pura”, uma “língua pura” ou, no cúmulo da mentalidade criminosa nazista, uma “raça pura”, também não vemos razão para afirmar a existência de “religião pura”. Em outras palavras, os propósitos, digamos, estritamente religiosos de uma religião – os quais, numa visão geral, é que ditariam a “forma” dessa religião – já se encontram, desde a sua gênese, desprovidos de uma originalidade total e imediatamente sujeitos a inconstâncias e transmutações (em maior ou menor grau, a depender de seu contexto).
      Ora, se naquilo que deveria ser a “essência religiosa” de uma religião já não se sustentam os “aspectos originais” devido à influência das “essências religiosas” de outras religiões, imaginemos, então, a força de todos os demais fatores da vida humana sobre a religião: as demandas econômicas, os projetos políticos, as descobertas científicas, as formas de expressão artística etc. Assim, face a esse aspecto de inconstância também presente na religião, e nos termos em que você mesma utilizou em sua questão, entendo que inúmeras vezes a religião pode, sim, estar mais interligada com as questões exteriores a ela (em especial, as questões político-financeiras) do que com aquilo que geralmente se entenderia como seu “propósito central”, ou “essencial”, ou “original” – embora já devamos nos questionar, nesse momento, qual seria, exatamente, essa essência, esse propósito central, que muito varia, enfim, de crença para crença.
      Certamente, a cada momento histórico, a intensidade dessa interligação da religião com outra dimensão da vida humana vai depender do jogo de força entre ambas, definindo um maior ou menor grau de afastamento de sua “essência” religiosa. Tomemos como exemplo a histórica doutrina protestante da riqueza material. Nos primeiros tempos do Protestantismo, o sucesso no acúmulo de dinheiro indicava a virtude de seu proprietário em não desperdiçar os seus ganhos com os vícios – ou seja, atestava-se, com essa atitude, ser ele um detentor da bênção divina, um escolhido de Deus (a benção viria antes da riqueza). Já nos nossos tempos, todavia, essa sequência de entendimento já não se mostra mais tão nítida (pelo menos, aos observadores externos à religião...), denotando uma certa descaracterização daquela antiga doutrina ao relacionar a posse da riqueza material diretamente com a benção divina (a riqueza, agora, é a própria bênção) – isso ocorre, talvez, por influência da nossa atual mentalidade exacerbadamente capitalista e da lógica do consumo imperante em todo o mundo, subvertendo os aspectos religiosos históricos dessa ideia, em favor de uma visão de mundo mais “rentista”. Sob determinado olhar, portanto, por força de um contexto econômico, essa doutrina religiosa já se encontraria, dessa forma, mais relacionada a uma questão extra-religiosa do que à sua proposta original.
      Não sei se consegui ser claro nessa minha exposição, Giovana, devido à exiguidade do tempo para uma formulação mais apurada de nossas afirmações... Mas espero ter contribuindo pelo menos um pouquinho para esse debate que você nos trouxe! Obrigado de novo e grande abraço!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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